domingo, novembro 22, 2020

Subtileza


 

Há perguntas que me assolam de uma forma tão ansiosa.
Mas o silêncio penetra-me os poros e amordaço-as, olvidando o seu apelo.
Renuncio ao seu chamamento.
Deixo-as secar como flores sem água. Sem sol. Sem húmus.

Fecho os olhos.
O chão move-se sob os meus pés.
Cambaleio. 

Cores gritam, espantadas, em frente dos meus olhos fechados.
Pintam telas de Magritte, umas vezes. Outras tantas, de Coulbert. 
A coragem para as escutar abandona-me. Temo confrontar-me com a verdade. 
De certo modo, socam os alicerces que se queriam sólidos.
Plantam pessimismo na seara do optimismo.
E numa subtil reviravolta, a alegria transforma-se em melancolia; a crença em descrença. 

Sinto que algo se oculta dentro do que imediatamente existe. 
Algo transmutativo.
Toda a viagem carece de adaptação; confiança; tolerância; compreensão e, acima de tudo, de diálogo. 

Mas erguem-me muros de silêncio. 
Como castelos fortificados defendidos dos ataques da vida; 
Como bofetadas endurecidas.

E as interrogações voltam a assolar-me.
Só me resta o recurso de pensar. 
Abismo-me em pensamentos.

A verdade entranha-se-me na pele e deita-se na alma.
Esforço-me para entender aquilo que não me é entendível.
Procuro caminhos, viso soluções. 
Não encontro convergência de vontades para que o diálogo pleno aconteça.

Já não me pasmo. Nem me assusto. 
Só a mágoa e a tristeza me alaga o peito.
Sorrio-lhes com ternura. Trato-as por tu.

sábado, novembro 14, 2020

Silêncios Falados

    [ Os Amantes. René Magritte ]


É no silêncio das palavras que escondes, 
que ouço as palavras que te nascem dos olhos.
E o teu corpo enche-se de palavras, dizendo
tudo o que as palavras não dizem.
Leio-te no sorriso as palavras amordaçadas,
e retenho-as nos socalcos da alma,
onde te fazes presente na ausência do ser.
A sua essência brota-te dos lábios, 
quando, calados, o fogo da paixão os incendeia.

quarta-feira, novembro 11, 2020

Sonetos de Amor Entrelaçado


 « Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.

Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que os meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.

E em duas bocas uma língua..., — unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.

Depois... — abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus; não digas nada...
Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce! »

[ José Régio ]



Não te peço palavras, nem baladas,
Nem promessas, nem juras, de premeio,
Deixa as minhas pernas entrelaçadas,
Conduzirem-te adentro do meu meio.

E que os teus lábios me cubram o seio,
Com mil caricias acetinadas,
Estremeço em completo devaneio,
Por entre as tuas águas agitadas.

E na procura do teu sexo quente,
A boca em busca dum beijo fremente,
Navega, assim, p'lo teu corpo suado.

E nessa nossa dança tão intensa,
De amor, carinho e paixão imensa,
Renasço nos teus braços, meu amado.

terça-feira, novembro 10, 2020

Confluência


 
Um vento outonal, um vento feminino, 
nasce-me nas pontas dos dedos 
e sopra de encontro ao teu mar 
para tornar mais concreto o beijo, 
ondulado na maré da espera.

Vagas lentas e aprazíveis segredam carícias 
envoltas em espuma branca, 
que irão cobrir o carmim dos teus lábios.
 
Enquanto o tempo decorre 
como essas águas que percorre, 
saltam das conchas ânsias sussurradas 
que se sentam no cais da esperança, 
dedilhando harpas de ilusão. 

Cansada, chego, por fim, 
ao estuário dos teus braços 
e entrego-me numa corrente de silêncio. 

Tocamos as nuvens deitados num leito de estrelas, 
sentindo o mar fundir-se com o céu 
na linha esbatida do horizonte.

domingo, novembro 08, 2020

Desejo


 

Queria dar-te um beijo entrelaçado
Com os lábios saturados de maresia.
Navegar por entre as vagas do teu corpo,
Perdida entre espasmos ondulantes.

Queria percorrer-te o corpo desnudado
Com dedos de água e alquimia.
Sentir cada nascido gemido 
Desfazer-se em espumas esvoaçantes.

Queria receber-te ressudado
Em suaves cadências de euforia.
Sorver o sal do teu desejo
Nas ondas revoltas dos amantes.


E ao chegar ao horizonte do ti,
Repousar no ocaso do amor,
Mergulhada na brisa da paixão.


Roubar-te o sopro de um murmúrio,
O esvoaçar de uma caricia,
No rumor incessante da maré.


sábado, novembro 07, 2020

Vem

 



Vem.
Digo-te por entre murmúrios sincopados
Mergulhados no silêncio dos olhos, onde
Uma crisálida de pálpebras convida-te a entrar.

Vem.
Viaja pelos vales do meu corpo
Com dedos de palavras mudas
E sacia a tua sede na nascente do meu rio.

Vem.
Não digas nada. 
Esmaga as palavras com as mãos
E espalha-mas na pele como pétalas de jasmim,
Para que vagas de fogo incendeiem a giesta da noite
Que a tua ausência semeia.

sexta-feira, novembro 06, 2020

Sonho


 Visto-me de ti 

quando à noite me deito na cama da ausência 
e o odor almiscarado da tua pele, 
apaga a saudade que habita 
na almofada da paixão.

Busco-te no lençol do amor, 
tacteando o desejo no mar dos sentidos,
onde pássaros esvoaçam no meu peito, 
soltando gemidos desfeitos nas vagas do teu ser.

Toco-te a pele nua com os dedos da distância, 
em busca do fundo transparente do amor, 
distinguindo a sombra do teu corpo, resguardada 
no reflexo da memória do brilho dos teus olhos.

Com a alma, bebo o néctar do sonho que o tempo não apaga,
sorvendo o sabor da noite que a espuma da manhã, enleia.

Que Fazer das Longas Horas ...


 

Que fazer das longas horas que passo sem ti? 

 
Tu que rompes em mim como um sol sem a ambiguidade das  
estações. Em cada dia, em cada hora, em cada instante,  
permaneces no que sou e, ao mesmo tempo, prevaleces  
sobre o que somos, habitando na constância do meu  
sentir que floresce como crisálida. 
 
Que fazer das longas horas que passo sem ti? 
 
Tu que suspendes o gesto e o transformas em sombras de saudade  
que caem sobre o escuro azul do mar, e o ar liberta vagas de  
espuma, como braços soltos rumo ao sul, onde o tempo não  
tem idade e a tua ausência não tem tempo. 
 
Que fazer das longas horas que passo sem ti? 
 
Tu que desenhas espirais de paixão nas brancas ondas da  
melancolia, tornando certo os incertos traços que o amor  
pinta a vermelho o verde das tuas vagas, e a tristeza  
desfaz-se no fundo do mar, onde a tua voz 
desponta dos silêncios da madrugada. 
 
Que fazer das longas horas que passo sem ti? 

sábado, novembro 16, 2013

O silêncio das Palavras



  Busco o sentido dos sentidos; o significado dos significados.

O desespero, a angústia, a tristeza, não são categorias bélicas, mas
promovem guerras internas onde não há vencedor nem vencido. 
São os pequenos combates do espírito onde se instala um clamor “ para  dentro”.

Conjecturo.

Observo, placidamente, o que me é dado observar. Como quem observa uma obra de arte.
Tento não confundir o que nela é específico com a especificidade humana.
Tento obter uma visão da totalidade sem me confinar a visões
sectoriais de modo a manter intacta a dignidade dos valores positivos.
Sinto a crispação do ver inteligente, de um ver que não vê mas prevê.
Um nevoeiro denso e opaco penetra-me, instalando-se nos socalcos
da alma, plantando a remota certeza de que um dia outros olhos fitarão os teus olhos.
São estilhaços de consciência que o mar transporta em ritmo lento. 
O ritmo possível do fluxo imposto.
Não quero ficar aqui à pesca dos restos do previsível naufrágio.
Quero viver hoje o destino.
Não preciso de espaços nem de tempos.
Fazem-me sentir paradoxalmente apressada.
Só quero o ritmo normal das coisas.

A minha pressa é actuante. 
Quero conjugar, diariamente, o verbo amar.

Sinto-me conduzida, qual aluna socrática, a trilhar caminhos que não desejo mas que mos apresentam de modo pungente.
Cada vez mais a voz se me amacia na seda das janelas cerradas, onde o silêncio se acomoda em grilhetas de veludo.

Dói-me não transferir esta « ânsia do peito para os teus braços.»

quinta-feira, junho 20, 2013

Corações, Amor e Desejo



Cuido que o amor, muitas vezes, pulsa desabalado ao ritmo
de desencontrados corações.

Há corações cheios; corações vazios…
Corações de lenta batida monótona, desafinada e baça.. Quase insonora.
Corações de batida desordenada, acelerada. Pulsante.
Corações saudosos..
Corações petrificados..

Assim reflectindo, interrogo-me:
Entregar-se-ão, todos, aos ventos favoráveis do amor?
Ou, só alguns, conseguem nutrir tal sentir?


Os que não amam, desejam?
Ou amam o amor que outros nutrem por eles,
sentindo paixão por esse amor demonstrado?
E, após o fenecer da paixão, assistem, petrificados,
à debandada do desejo da sua pele de amante?

O desejo, depois de saciado, é uma corrente de
fogo frio, onde o silêncio e a indiferença se prende
ao peito, cobertos pela cinza da solidão. Não sente amor.
Alimenta-se dele.
Pulula de desejo em desejo onde atear a chama entorpecida.

Já o amor, transporta-nos à cratera da vida, onde nos saciamos
com o elixir da felicidade, alimentados pelo grão da esperança,
amassados no pão da confiança.
Ao coração enamorado, basta-lhe esse outro coração enamorado.
Batem em uníssono. Pulsam ao mesmo ritmo. Desejam-se na paixão.
Buscam-se na ausência.