Palavras I
« São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.
Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.
Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?»
[Eugénio de Andrade]
Enconcho as mãos e recolho
todas as palavras que esboçaste,
sem as dizer.
Afago uma a uma, como pétalas de flor viçosa
plantada no húmus da alma.
Umas, nascem-te no coração e naufragam por
entre os rios do teu peito sem conseguirem
aportar aos teus lábios fechados.
Outras, são lestia que se desfaz nos nimbos
dos teus dedos e brotam-te da boca como orvalho.
Neste crepúsculo em que o luar marmóreo
desenha o teu rosto com lápis de nuvem,
reconheço as palavras que incendeiam,
vestidas de gestos e de pele.