segunda-feira, julho 24, 2006

Jogos de Luz



A luz mudou...
O jogo de sombras também...
Construo memórias novas nestes novos tempos.
Coloco na mesa as peças do puzzle.
Sei que nada é simples...
Para que ganhem forma... deixo que se misturem...

Esvazio-me de pensamentos para que o quadro ganhe vida..
Apelo à memória para desenhar o contorno da ausência das peças em falta…
Aparentemente tão vago...
Mas tão cheio de vida.

E as peças saltam..
Pululam... riem....
Encontram o seu lugar..
Encaixam-se...

Impávida, vejo os fios suspensos da teia... a completarem-se.

De súbito.... a eclosão.

Serão inúteis as palavras duma confissão inconfessável...
Murmúrios absurdos dum raciocínio irrazoável...
Frases que já não ouço... que se perdem num suor de sílabas...

Do fundo de mim mesma escuto a minha voz..
Límpida, cristalina…
Que me chama..
Súbita..
Acendendo o fogo da vida... alimentando o ar que respiro.

segunda-feira, julho 17, 2006

Cidade Dos Amores

Vou descer por antigas ruas até ao coração da minha cidade. Gosto de me perder nos seus becos, nos seus pátios. É como se regredisse no tempo e topasse, de novo, com o que vivenciei. Cada canto... cada degrau... cada árvore… tem uma história. Sorrio-lhes com ternura. Sussurro-lhes com a voz embargada, um singelo:«olá!» E o reencontro original sucede. A cidade devolve-me o sorriso. Fico grávida de emoção, de sentires. Miro o seu rio. Rio de poetas e trovadores. Rio de amores e desamores. Recordo Zeca... Adriano... Antero ... Estampa-se-me um sorriso no rosto. Recordo as Queimas,( apesar de ter pertencido a uma geração anti- praxe.) Os banhos nocturnos…forçados… O Sol, intenso, invade a cidade, salta sobre as fachadas dos seus prédios.. A cidade canta, vive, movimenta-se.. Gosto de mirar assim a minha cidade.. Amá-la.. Espreitar os ângulos do seu passado estético. Mirar os seus becos, os seus arcos, as suas escadarias. Deter-me no perfil das suas casas, nos seus beirais rendilhados, nos seus monumentos.. Demorar-me nos alfarrabistas em busca duma rara 1ª edição que nunca encontro… Subir o Arco da Almedina.. A cidade cresce por mim acima e eu carrego com ela. Penso na intimidade dos velhos bairros. Espreito os sítios escondidos que os turistas jamais alcançarão. Mesmo que aí cheguem em corpo, ficarão irremediavelmente alheios à respiração de tal intimidade. Só quem a cidade ama, a apreende...

quarta-feira, julho 12, 2006

O que espero?

Escrevendo à luz débil me pergunto: O que espero?
A manhã..? O amanhã..?
A claridade do dia ressurge.
Extinguem-se os laços que ligam a madrugada à manhã...
Esta manhã de estio que nasce fresca e que os pássaros cantam lá fora.
Porque não cantam as realidades de amanhã..?
Se as cantassem senti-las-iam, perscrutá-las-iam, apreendê-las-iam..?
Os meus sonhos serão as realidades de amanhã..
Quero crer nisso.
Não passo duma enregelada em busca do calor da esperança, tão atingida no cerne do meu sentir como muitos...
Sei que há em mim uma fonte secreta de água viva.. a energia que tudo revolve.
Não esqueço os sonhos.
Vejo-os nas lágrimas reprimidas... avanço para eles apesar do brilho nublado dos meus olhos que intentam furar a espessura da descrença, das suspeitas, das agonias...
Camadas sucessivas de coisas sem resposta..
Mistura-se na dúvida a certeza, na luz a treva.
Descubro as reservas de coragem e recomeço.
Recomeço em cada instante cortado do tempo... em cada flor separada do caule... em cada minuto cindido da alegria...
A vida, por vezes, separa para depois voltar a unir.
Espera-se a vida perdida... mas pode-se perder a vida esperada.

Estarei a dialogar comigo..?
Em rigor, não há diálogo sem a activa presença de um outro...
Quando connosco conversamos, anulamos a comunicação na insólita tentativa de nos objectivarmos como sujeitos singulares.
Não dialogo comigo.
Rigorosamente só me enfrento.
Topo com argumentos de mim para mim..

sexta-feira, julho 07, 2006

Tempo



Vejo o teu rosto no espelho da memória..
Afago-o com a minúcia do desejo..
Vislumbro os olhos que o tempo abriga..
As mãos que o toque consagra..

Abro a gaveta da ausência..
E trago-te até mim..
Fazendo durar o momento.
Como se eu fosse a noite que te envolve..
Buscando o teu reflexo na lua.
Como se não soubesse que somos um tempo..
Dentro do Tempo...
Encoberto pelo nevoeiro da madrugada.

Vivemos a crença do instante..
Numa inquieta sensação que se prolonga ao espírito..
Ignorando o tempo que não temos..

segunda-feira, julho 03, 2006

Cinema Paraíso


Na vila onde na infância passava férias, há uma obra arquitectónica muito bonita.
O seu velho Casino.
Não desapareceu.. antes pelo contrário, foi remodelado graças à intervenção da Gulbenkian porque, a fazer fé no «amor» ao progresso e ao dos patos-bravos, há muito tinha fenecido.
Antigamente, lá, era o cinema.
Agora é a Casa da Cultura.
Vi ali os meus primeiros filmes: Marisol, Joselito, Cantiflas, «cawboyadas», Sandokan, filmes da Disney …
Há um filme que me enternece muito, exactamente porque me recorda este velho cinema.
Chama-se: «Cinema Paraíso», do Giuseppe Tornatori.
É um dos melhores filmes de sempre.
Um hino ao cinema e ao amor.
É um filme que me marcou.
Tem tudo o que a vida tem:
a infância, os medos, a amizade, a partilha, o amor, o esquecimento … Nós somos um pouco tudo isto.
Retrata a magia do cinema, a escuridão das suas salas, a solidão do próprio Homem.
Sempre que vejo esse filme (e já foram muitas), retorno ao velho cinema da minha infância.
Tal como no filme, também na «minha» vila, ir ao cinema era um acto social. As famílias iam ver os «bonecos».
A criançada ficava nas primeiras filas e os mais velhos nas filas de trás.
Tal como no «Cinema Paraíso», também nós mandávamos «bocas» ao projeccionista. Berrávamos e gritávamos quando as cenas assim o exigiam.
Sempre que uma cena de beijos não era cortada, as mães colocavam as mãos a tapar os olhos das filhas.
(e a Revolução já se tinha dado.)

Ver o «Cinema Paraíso» é deixar-me envolver pelas emoções, pela comoção, pela ternura das memórias de infância.

domingo, julho 02, 2006

Grito



Grito para o Mundo..
Um grito de dor, de alívio, de esperança.
Renascem em mim as forças que se paralisaram.
Apelo para a lucidez e não posso furtar-me aos sentimentos contraditórios...
Avanço para a esperança, com passos incertos e trôpegos.
São passos, eu sei..
Atravesso a vida carregada de conflitos, ignorando se acerto.
Sei que muitos de nós desacertam.
E esta verificação é a minha forma de acertar...
A minha evidência.
Quando tudo se me afigura perdido, recorro então ao acerto que é o desacerto de outrem.
Aí se firma a esperança.
É um simples ponto no horizonte, ténue como a brisa, ligeiro como nuvem.
Todos convergimos para esse ponto invisível, crescente como uma espira.
Seguro nos olhos a esperança e assim fico...
como que à chuva..ao vento.. ao frio.. ao sol... na expectativa de que ganhe corpo.
Mas nem sempre a «tempestade» é nocturna..
Mas é tempestade.
E quando é acompanhada pelo «silvo do vento»...
o «negrume» espanta e apavora.
Aí a esperança esvanece-se.
O medo... o susto... ressurge.
Enovela-se-me no corpo..
penetra-me para me habitar.
Instalado, entra e sai como hóspede impertinente.
Quero ser e não sou.
Quero estar e não estou.