sábado, outubro 28, 2006

"Mestres"



Desde Setembro que é insuportável estar em casa devido ao barulho das obras que estão a decorrer no andar por cima do meu.
Isto trouxe-me à mente os« Mestres».

Não. Não me refiro aos detentores deste grau académico, nem aos mentores intelectuais ou religiosos e também não aos mestres de música, de pintura... de todas as Artes em geral.
Não.
Refiro-me mais «comezinhamente» ao «colectivo» mestres:
Pedreiros, carpinteiros, electricistas, canalizadores e «ofícios correlativos».
Inevitável é nós precisarmos dos serviços daqueles profissionais, por mais que se tente passar sem eles.
Quando a coisa se torna inadiável, metem-se «empenhos» para arranjar o contacto do «mestre» pretendido.

A primeira "estação do calvário" começa então.
Vamos imaginar um quarto com paredes para pintar; remodelar o tecto e alterar a iluminação.

Chega o «mestre», mostramos o que há para fazer e, prudente e ingenuamente, perguntamos quanto demora e quanto custará.
Faz umas medidas, rabisca umas coisas num papel e lá diz mais ou menos quanto irá custar o material e que não vai levar caro nem muito tempo. Virá um ajudante e tal e quê e é num "fósforo" que a obra fica pronta.
Quanto ao custo a resposta é invariável: « Não se preocupe..»
Quanto ao inicio é sempre numa« 2ª feira.»
Só que omitem o mês e o ano.

Segunda "estação do calvário": parvamente, aproveita-se o domingo seguinte e esvazia-se o quarto que vai ser pintado na tal 2ª feira, "sem falta".
Chegada a 2ª feira nada de mestres.
Seguem-se outras tantas mais... sem novas nem mandados.
Entretanto a mobília do quarto entope o corredor, a sala..

Terceira "estação do calvário":
Telefonemas, mais telefonemas, empenhos renovados e um belo dia (nunca à 2ª feira) lá aparecem os desejados mestres.
Vem o pedreiro e o ajudante e toca a picar, a raspar, a fazer um barulhão e uma poeirada de entupir os pulmões.

Quarta "estação do calvário":
Conciliar electricistas e pintores.
Um põe os tubos e fios, demorando dias a fazer o que podia estar pronto em horas e o outro vem pintar o tecto, as paredes..
Durante esse tempo, o dono do quarto dorme no sofá, tem a roupa fora do sítio e os nervos também..

Os "já agora…" fazem parte da quinta "estação do calvário".
- Senhora, "já agora" o que ficava bem eram umas luzes "daquelas"..
E vêm as luzes e mais uns tantos "já agoras" e mais umas tantas "estações do calvário".
Na cabeça, a caixa registadora "tilinta" só a dar saídas..

Enfim. Obras em casa são "tirocínio" para a santidade (perdoem-me a heresia..)

Se tudo ficar nos "trinques" é uma felicidade, porque, infelizmente, são raros os bons profissionais.

Se a formação dada pelas Escolas Profissionais desse direito ao título de "licenciado" talvez fosse mais procurada pelos estudantes que vão para as Universidades tirar cursos absurdos que conduzem direitinhos ao desemprego.
Um bom canalizador é mais útil que um "gestor" e ganha o que quer!

Pois é. Se os visados lerem isto, estou "feita"..!

sábado, outubro 21, 2006

O Prazer da Chuva


Chove..
Isso fomenta-me o desejo de estar na Serra, numa cabana aquecida por uma lareira, sem electricidade, à luz ténue dumas velas e com um livro nas mãos.
Deixar-me invadir pela indolência que a visão do lume e o seu crepitar me provocam.
É um cenário que bastas vezes me povoa o imaginário.
Sentir o vento a fustigar a janela, o calor acolhedor que envolve o espaço.

Olvidar a realidade e viver o momento com a intensidade de quem sabe que é só um momento.
Ficar prenhe de sensações que me consolam e afagam a alma.

Acendo o lume da memória e recordo uma cabana que «habitei», durante uns dias, na Serra da Estrela.
Transformei-a no meu refúgio durante uma minha travessia no deserto, sabendo que ninguém me esperava entre uma porta e outra porta..
Só as correntes de ar.
O tempo não traz de volta o que o tempo leva..

A chuva cai, intensamente..
Adoro estes dias invernosos..
Correr atrás da chuva..
Pisar a terra molhada..
Inebriar o espírito com o seu estranho perfume..

Por norma, são dias muito apelativos para os amantes.

Passear de mão dada... olhos brilhantes de paixão... indiferentes às agruras do tempo.
Sentir as gotas de água deslizarem pelas faces... em busca da saliva morna dos lábios..

Nessas alturas, tudo é relativo e vivido com cumplicidade..
Brincar com a chuva... com o vento... numa simbiose perfeita de corpos e espíritos enamorados.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Um café matinal



Voltei a chegar primeiro.
Não ao nosso Café matinal, mas sim para um... café matinal.

Lugar estranho, impessoal.
Lugar sem memórias.. sem recordações.

Muito cordatos, desempenhamos as personagens que a nós próprios atribuímos.
Representamo-nos.
Fomos actores dum «argumento» por nós consentido e desejado.

Mas fomos maus actores.

Os meus olhos tristes... resvalavam dos teus olhos baços...
Não nos era tolerado fixarmo-nos.

Intuímo-lo.
Sabíamos que se o fizéssemos... perdermo-nos-iamos nas suas profundezas.

Tagarelamos sobre coisas sem sentido... para assim o tempo se escapar e não falarmos sobre a essência...
No desempenho deste nosso «argumento»...
Fomos maus actores.

Inconscientemente, as mãos buscavam-se...
Mas as personagens não consentiam que se tocassem.
Não estava no guião.

Assim como os lábios...
Sentimos o quanto se queriam unir.
Primeiro suavemente...
Depois... num fogo ardente que nos voltaria a queimar...
O guião não nos autorizava tais intimidades.
Desejadas...
Ansiadas...
Controladas...

Despedimo-nos seguindo o guião:
Dum modo civilizado, cordato e ameno.

Cada um transportando dentro de si o fogo que se quer extinto, mas que ainda arde.
Senti-o.
Sentiste-o.

Levamo-lo, em sentidos inversos, como companheiro das nossas solitudes.

Uma certeza nos acompanhou:
Fomos maus actores no guião por nós elaborado.

Mas desempenhamos o papel até ao fim da peça!

terça-feira, outubro 10, 2006

Várias maneiras de ler



«Não há mal que sempre dure…. Nem bem que nunca acabe».
Assim diz o Povo.

Pois é. Acabaram-se-me as férias.
Entre o prazer de estar com a minha Lilli (a minha filhota linda) e o prazer de rever amigos, tive tempo de sobra para ler..

E dei por mim a pensar:
« Há muitas maneiras de ler».

Por exemplo:
Os livros:
Uns são lidos e saboreados..
Lidos devagar... gozando a prosa... a linguagem... apreciando a leitura como se fosse uma sobremesa preferida. Um regalo.
Outros, de leitura obrigatória, percorridos com dificuldade. «Marrados».

A Poesia:
Lida...relida... sonhada... e quantas vezes decorada.
Fica num recanto da alma, aconchegando-nos.

Os Romances:
Alguns lidos gostosa e lentamente, seguindo de coração apressado, as peripécias vividas pelos «heróis».
Outros, galgando páginas, para logo chegarmos ao fim para ver como acabam.

E os romances policiais..?
A esses, fica-se «agarrado» e só se descansa quando se sabe quem cometeu o crime.
Descansa-se, é certo, mas não sem sentir uma pontinha de frustração por não ter sabido seguir as pistas ( tão evidentes depois de se saber o fim) e ter encontrado o criminoso ao mesmo tempo que o autor.

Mais recentemente (a troco de quê?) faz-se... a leitura «em diagonal» que serve para rapidamente se saber de que trata o texto e.. mais nada.

E a leitura obstinada?
Aquela em que, por questão de principio, nos violentamos para chegar ao fim do livro?
Por vezes, metodicamente, só avançamos depois de ter percebido totalmente o sentido das palavras.
Valha-nos os dicionários e as enciclopédias! Desistir, nunca.

Esta é a «velha» leitura.

Agora há a nova:
a leitura online. A leitura via Internet.
Confesso que me socorro dela, algumas vezes, devido à minha vida profissional.

Mas nada me substitui o prazer de ter um livro entre mãos...
Tacteá-lo... sentir a textura do papel... o cheiro das folhas e da tinta da impressão... o anotar... o voltar atrás... o parar e fechar os olhos...a pensar ou meditar sobre o que se acabou de ler.
Gosto muito da «Velha Leitura».
Quando tenho um livro entre as mãos, nunca estou só.
Sorrio.